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AP05

"Por acaso, os brancos comem ouro?"

A pergunta que guia e dá título para esse Ateliê de Pesquisa (AP) é uma paráfrase e advém de uma colocação do xamã e intelectual Yanomami, Davi Kopenawa, na ocasião do Tribunal permanente dos povos sobre a Amazônia brasileira (Paris, 1990), a qual originalmente dizia: “O que fazem os brancos com todo esse ouro? Por acaso, eles o comem?”. 

Mais de 40 mil garimpeiros invadiram o território Yanomami entre as décadas de 1980 e 1990 (e muitos lá ainda continuam), o que causou a morte de cerca de 20% da população indígena em decorrência de epidemias e outros conflitos. No livro, “A Queda do Céu”, Davi Kopenawa realiza um extenso relato sobre a corrida do ouro e faz contundentes elaborações sobre esses tempos de terror. Entre outras coisas, Kopenawa elabora conceitos nativos para aquilo que decorreu desses conflitos: “Fumaça do metal”, “Comedores de terra”, “Paixão pela mercadoria”, “Epidemia xawara”, entre outros, são algumas das formas nativas as quais o autor utiliza para falar sobre os brancos (“napë”) e suas ações de destruição. 

Esses conceitos e formas são chave para pensarmos sobre a cobiça dos não-indígenas, da exploração do território e da devastação das florestas, da falta de sabedoria dos brancos quanto à sabedoria dos sonhos, e assim por diante. Tento isto em vista, esse AP possui o interesse em receber propostas que dialoguem com discussões sobre territórios, violências contra populações tradicionais, formas nativas que elaborem sobre conflitos territoriais, alternativas e modos de fazer política frente às ruínas da exploração, e assim por diante.
 
Palavras-chave: Conceitos nativos; Cosmopolítica; Território.

Coordenação:  
Alberto Luiz de Andrade Neto. Doutorando em Antropologia Social (PPGAS/UFSC).  

Alexsander Brandão Carvalho Sousa. Doutorando em Antropologia Social (PPGAS/UFSC).

Debatedorxs:
Amanda Cristina Danaga. Pós-doutoranda em Antropologia Social (PPGAS/UFSC).
Bruno Martins Morais. Doutorando em Direto (PUC/PR).

 

Lista de Resumos Aprovados

Sessão 1 - 09 de outubro de 2019 – 8h30min às 11h30min

 

Remédio do mato, remédio da farmácia: saúde entre os Xikrin da
Trincheira-Bacajá 

Jucimara Araujo Cavalcante Souza
Doutoranda PPGAS/UFSCar

Esta comunicação pretende levantar algumas questões referentes à pesquisa de doutorado, em fase inicial, que se debruça sobre o tema da saúde entre os Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá, localizados na região sudoeste do Pará. A pesquisa parte dos modos pelo quais os Xikrin acionam o sistema biomédico, por meio da atuação do Sub-Sistema diferenciado de Saúde Indígena, centralizado na região do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Altamira, que opera junto aos Xikrin e nos serviços localizados neste município, e os relacionam com suas práticas profiláticas e preventivas de saúde. Esta situação da atenção à saúde não pode ser desvinculada dos impactos dos projetos de desenvolvimento que se tem estabelecido na região, como a construção da hidrelétrica de Belo Monte que molda e formaliza, entre outras coisas, a relação com a política do branco (kuben). A indagação aqui se refere a como o sistema biomédico é concebido no conjunto das concepções etnofisiológicas Xikrin e no seu sistema tradicional de cuidados e curas. Que tem se mostrado, por vezes uma interação conflituosa, entre os protocolos de atenção a saúde indígena prescrito pelo DSEI e as concepções de saúde, doença e cuidados dos Xikrin.

Palavras chaves: Saúde Indígena; Biomedicina; Conhecimento tradicional.

Refletindo sobre o Antropoceno a partir de narrativas indígenas da crise ecológica

Beatriz Judice Magalhães.

Doutoranda em Antropologia- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

A crise ecológica vem suscitando diversas reflexões por parte de agentes variados, como governos, organizações internacionais, entidades da sociedade civil, e pesquisadores de diversas áreas. Em 2016, a União Internacional de Ciências  Geológicas propôs a adoção oficial do Antropoceno como novo período geológico. A ideia do Antropoceno, formulada por pesquisadores das ciências naturais, desencadeou também a proposição de várias narrativas alternativas, principalmente entre pesquisadores das ciências sociais. Nas perspectivas indígenas, encontramos, também, diversas observações e relatos a respeito da crise ecológica. São comuns, em tais relatos, alusões às mudanças climáticas, à destruição de matas e florestas e à poluição de rios, por vezes coincidentes com as histórias contadas a respeito da invasão das terras das populações autóctones. No Brasil, esses relatos foram trabalhados, dentre outros, pela pesquisadora Valéria Macedo e pela diretora Mari Correa, nos fimes “Para Onde Foram as Andorinhas?” (2016) e Quentura (2018). A partir dos trabalhos mencionados, e também de reflexões dos pensadores
indígenas Davi Kopenawa e Ailton Krenak, buscamos tecer conexões entre as narrativas indígenas, bem como refletir a respeito das possibilidades oferecidas por tais alteridades às visões hegemônicas, no âmbito da modernidade, notadamente no que se refere às relações entre humanos, não-humanos e ambiente.

Palavras-chave: Antropoceno, Mudanças Climáticas, Narrativas Indígenas.

 

Quem matou Emyra Wajãpi? Ou quando o corpo esconde uma guerra.

Bruno Morais
Catarina Pedroso
Fábio Franco

 

Deu em um portal de notícias que, “usando um drone israelense, as forças policiais mapearam um raio de 3 km a partir da aldeia Mariry”. “Nem uma fogueira foi encontrada”, disseram. Em sucessivas notas públicas, os índios acusavam a displicência da Polícia Federal que, por sua vez, anunciou a exumação do corpo já que alguém teria dito que a genitália teria sido arrancada - evidência de um “um crime por vingança”. Em uma mesma semana, disputas como essa em torno de mortes chegaram à imprensa brasileira repercutindo as declarações do Presidente de República, Jair Bolsonaro: quem matou o cacique Emyra Wajãpi? Quem matou o pai do Presidente da OAB, Fernando Santa Cruz? Quem matou os presos massacrados em Altamira? Nesses três casos, Jair Bolsonaro creditou as mortes a “conflitos internos” às aldeias, à militância de esquerda,
e a organizações criminosas. Este artigo se dedica a uma análise desse discurso da “verdade” sobre essas mortes a partir de um elemento central e recorrente, reivindicado por ambos os lados da disputa: o corpo das vítimas. Submetido a uma tecnologia de operação da verdade que envolve forças-tarefa, comissões, inquéritos, diligências, necropsias e drones, o corpo dos mortos é exumado, desaparecido, reivindicado ou exibido como evidência das versões “oficiais” sobre os fatos. Operando uma verdade sobre os corpos, o Estado assenta seu poder sobre a morte ao se furtar ao reconhecimento público de uma guerra, particularizando-a sobre os corpos.

A produção de soja entre os aché de Puerto Barra, Paraguai

Pedro Henrique Frasson Barbosa

PPGA - UFPR

 

O presente trabalho é uma primeira tentativa de organização de meu material de campo, produzido entre os aché da aldeia de Puerto Barra, Paraguai. Também conhecidos na litearatura antropológica como guayaki, os aché são uma parcialidade guarani que vive apenas no Paraguai, distribuídos em seis aldeias. Puerto Barra foi fundada em 1976 por 28 aché recém saídos da floresta e a família do missionário norteamericano Rolf Fostervold. De lá para cá, pouco a pouco os indígenas foram aumentando sua produção agrícola e, há aproximadamente 15 anos, plantam soja em relativa grande quantidade: dos 850 hectares de área que a aldeia possui, 250 são dedicados ao cultivo do grão. As perguntas que orientaram o trabalho de campo, entre outras, foram: como a produção de soja acontece entre os aché? Quem trabalha, quem compra a produção, de onde vem a semente, para onde vai o dinheiro? Após
acompanhar o plantio e a colheita de soja, dois pontos me saltaram aos olhos: a conexão que a atividade possui com duas famílias pioneiras, as de Daniel Rytagi e Alicia Tokangi e de José Kutegi e Maria Tatugi, e a aproximação entre a atividade de caça e coleta e o trabalho na lavoura de soja. Dito de outro modo, para alguns de meus interlocutores, a vida no monte era tão trabalhosa quanto a vida de hoje, e se antes a comida era grátis (o termo não é meu), hoje é preciso dinheiro para comprá-la. A atividade de caça, coleta e plantio estão no mesmo domínio: o da atividade produtiva, da obtenção de recursos.
Palavras chave: aché, agricultura, soja

 

 “Você vai comer eucalipto?”: concepções Xetá acerca dos brancos.

Gian Carlo Teixeira Leite
PPGA UFPR

 

Partindo das experiências de campo vividas junto aos Xetá (tupi-guarani) que vivem na Terra Indígena São Jerônimo da Serra (PR), neste trabalho busco apresentar notas iniciais acerca das concepções que os Xetá têm sobre os brancos. Em meio às noções entre eles compartilhadas acerca do que se alimentam, e a apreensão que fazem sobre o que outros comem, a comida é conceitualizada como termo mediador de diferenças entre os povos. Dentre estes, o povo da cidade (também referidos como não-índios, ou brancos) aparecem como aqueles que se alimentam de comida com veneno (agrotóxico), o que segundo meus interlocutores, implica numa espécie de prática coletiva  autodestrutiva, cuja consequência futura anunciada, refere-se a uma provável
extinção dos brancos causada por eles próprios. 

Palavras-chave: Xetá, agrotóxico, alimentação.

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