top of page

AP11

Mulheres Indígenas e/na Antropologia: diálogos entre saberes, práticas, afetos e territórios

Tem sido crescente a visibilidade do protagonismo e da participação das mulheres indígenas nos processos (cosmo)político, sociocultural e econômico nos diversos contextos em que vivem e (r)existem, dentro e fora de seus territórios tradicionais. Como exemplo, destaca-se a atual articulação e movimento das mulheres indígenas no Brasil pela garantia dos direitos dos povos originários previstos na vigente Constituição de 1988, as quais definiram como tema da Marcha das Mulheres Indígenas deste ano (2019) o seguinte lema: "Território, nosso corpo, nosso espírito”.

 

Entretanto, faz-se perceptível na história da Antropologia uma mínima (ou ausente) interlocução dos/das antropólogos/as com as mulheres indígenas nos trabalhos etnográficos considerados clássicos, consistindo a questão de gênero uma lacuna a ser superada na produção etnológica ao se analisar a vasta bibliografia produzida desde o século XIX sobre as populações indígenas - salvo importantes e notórias exceções.

 

Ao compreender a necessidade de transformação neste horizonte da disciplina, marcado historicamente pelo viés masculino, tem-se como promissoras as produções etnológicas que visem dialogar com as mulheres indígenas em seus diferentes contextos e, acima de tudo, as produções que vêm sendo realizadas pelas próprias intelectuais, autoras e antropólogas indígenas - as quais trazem consigo suas marcas, cantos, saberes e novas perspectivas ao fazer antropológico.

 

Neste sentido, o presente ateliê de pesquisa tem como objetivo central propiciar partilhas de experiências e trabalhos de campo que dialoguem com as mulheres indígenas e/ou contemplem seus modos de saber e fazer, seus caminhos, suas cosmovisões, seus tempos, seus direitos, suas lutas, violências sofridas, seus movimentos e atuações nos diversos territórios em que ocupam - seja nos que tradicionalmente pertencem como também nos que vêm constituindo, a exemplo das universidades e dos espaços políticos.

Coordenadoras:

Joziléia Daniza Kaingang (Doutoranda PPGAS/UFSC)

Elis do Nascimento Silva (Doutoranda PPGAS/UFSC)

Bianca Hammerschmidt (Doutoranda PPGAS/UFSC)

Lista de Resumos Aprovados

Sessão 1 - 10 de outubro de 2019 – 8h30min às 11h30min

Diálogos de saberes e afetos

 

Mulheres Indígenas Especialistas em Cura Kaingang. 

Adriana Aparecida Belino Padilha de Biazi (PPGH-UFSC). 

Este artigo busca mostrar o protagonismo das mulheres indígenas Kaingang, nas suas funções como especialistas em cura, seja Kujá, Benzedoras e Remedieiras. Elencando pontos principais das funções exercidas tanto dentro ou fora da Terra Indígena Xapecó/SC, apresentando as diferenças no processo de sua formação enquanto especialista, pois sabe-se que ambos são distintos e que cada uma possui uma relação diferente com a mata. Além de serem mulheres especialistas Kaingang, elas são mães, avós, tias, madrinhas; são estas variadas funções que as cercam que fazem com que meu interesse pelo tema seja inspirador, observando a força delas que está intrínseca principalmente no ser mulher indígena, tendo em sua frente várias funções que as tornam guerreiras. Os dados apresentados são frutos da minha pesquisa de campo, realizadas no período de 2014 a 2016, que tiveram desdobramentos na finalização do meu TCC e da dissertação de mestrado. Minhas fontes de pesquisas são as mulheres Kaingang e as especialistas Kujá, Benzedeiras e Remedieiras. Este artigo tem como objetivo, dar visibilidade as mulheres especialista em cura Kaingang, destacando a diferença dos processos de formação espiritual e as funções que cada possui dentro da Terra Indígena Xapecó/SC. 

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Kaingang, Especialistas, Processos de formação. 

 

As senhoras da fermentação: caxiri, corpo e percepções sensíveis entre mulheres Tukano Oriental de São Gabriel da Cachoeira, Noroeste Amazônico. 

Talita S. Sene (PPGAS-UFSC).

Nesta apresentação proponho uma reflexão acerca da categoria Tukano Oriental caxiri (peeru) – nome genérico atribuído (1) a uma diversidade de tipos e modalidades de bebidas fermentadas à base de mandioca brava e outros temperos, bem como (2) ao modelo de festa que tem como mote o consumo destas bebidas. Através da descrição e análise dos modos e ocasiões de feitio e consumo de caxiri pretendo demonstrar a importância do caxiri na visão de mundo dos Tukano Oriental, cuja preocupação central está voltada, desde os tempos primordiais, a um processo contínuo de produção e diferenciação de pessoas e corpos. A literatura especializada acerca das populações Tukano Oriental costuma destacar a centralidade de objetos (flautas sagradas e ornamentos, por exemplo) e substâncias masculinas (caapi, tabaco, etc) nos processos de constituição e diferenciação de “gentes” (mahsã). Sugiro que o caxiri, substância considerada feminina, também tem relevância nestes processos, sobretudo nos processos de construção da mulher. Para tanto, parto de minha experiência recente entre os Tukano Oriental moradores de São Gabriel da Cachoeira, Noroeste Amazônico. 

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres indígenas; Bebidas Fermentadas; Noroeste Amazônico;

 

Mulheres Guarani: Guardiãs dos saberes de cura. 

Gennis Ara'í M. T (UFSC)

Este trabalho relaciona-se à minha pesquisa qualitativa e etnográfica de TCC que tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a questão das práticas de saúde das mulheres guarani da aldeia de Biguaçu SC, vivenciando o dia a dia do ser feminino. A saúde da mulher guarani não está relacionada apenas com seu corpo externo mas também com o interno. As doenças não são apenas doenças carnais, mas também doenças espirituais que podem ser colocadas na pessoa por espíritos malignos, vingativos ou pelos espíritos que vivem nas florestas e águas ou jogados pelos feiticeiros. Para cada doença existe uma maneira de se curar utilizando o conhecimento das práticas culturais guarani ou as práticas do médico "branco". Portanto este texto relatará uma parte de como as mulheres guarani lidam com essas questões no dia a dia e como é ser uma mulher guarani sob o olhar feminino guarani. Na perspectiva guarani o conceito de saúde está relacionado com as práticas tradicionais de saúde com o equilíbrio social, com místico com a cosmologia que envolve o Nhandereko (modo de ser guarani) guarani.

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Guarani; Saúde da Mulher; Nhandereko.


 

Entre tecidos, comidas e crianças: sobre mãos femininas que criam (Shipibo-Konibo, Amazônia Peruana).

 Bianca Hammerschmidt (PPGAS/UFSC).

As mulheres Shipibo-Konibo são conhecidas pela a arte de pintar e bordar complexos geométricos em tecido e cerâmica, o kene. Desde a infância as meninas são curadas por suas avós com raízes de piri-piri, para que possam aprender com as plantas, e treinadas pelas mulheres da família, para que capacitem as suas habilidades manuais. Estes ensinamentos perpassam a vida inteira de uma mulher Shipiba. Com diferentes idades, elas se reúnem no chão da casa de alguma parente, e dedicam horas dos seus dias na produção artesanal. Entre conversas sobre o cotidiano, e, não tão distantes, sobre política, conjugalidades e parentesco, todas se observam e gostam de opinar sobre os desenhos e as cores dos fios uma das outras. Além de marcar a diferença entre os desenhos antigos e novos e quem os produz. Neste paper, percorrendo os caminhos das mãos femininas nos processos criativos/gerativos de pessoas, substâncias, afetos, alimentos, artesanatos e dinheiro, apresento algumas reflexões da pesquisa que venho desenvolvendo junto aos Shipibo-Konibo da Comunidade Nativa de Callería, na Amazônia peruana.

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Indígenas; Artesanato; Shipibo-Konibo

 

Mulheres Kaingang na coleção “Projeto Memória Indígena” do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR. 

Caroline Leonardi de Quadros (UFPR).

 

A pesquisa se debruça sobre narrativas de mulheres kaingang na coleção museológica Projeto Memória Indígena (PMI), que se tratou de um esforço realizado na metade dos anos oitenta, a fim de preencher as lacunas historiográficas sobre o contato dos povos indígenas que habitam o Paraná. Para isso, as pesquisadoras do projeto buscaram narrativas em viagens às áreas indígenas de Guarapuava e Rio das Cobras. Em um compilado de 148 fitas cassete com entrevistas, apenas 25 são de mulheres kaingang, o que expressa a dificuldade de privilegiar o discurso feminino em pesquisas etnográficas. Dessa forma, a recente pesquisa interpreta as singularidades dessas 25 entrevistas e procura comunicar a potencialidades dos discursos expressos tendo em vista que não foram devidamente explorados frente aos objetivos estritos do PMI, além disso, salienta a relevância dessa representação dentro de um contexto museológico. 

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres; Kaingang; Museus. 

 

Sessão 2 - 11 de outubro de 2019 – 8h30min às 11h30min

Práticas e Territórios 

 

A I Marcha das Mulheres Indígenas: Lugares, Entendimentos e Posicionamentos Situados.

Célia Xakriabá (PPGAn-UFMG).

Amanda Jardim (PPGAn-UFMG).

O trabalho tem como proposta trazer reflexões sobre a I Marcha das Mulheres Indígenas, realizada em Brasília, em agosto de 2019. Partiremos de lugares e posicionamentos situados: o de Célia Xakriabá, liderança atuante no movimento indígena nacional, doutoranda em Antropologia e membra da comissão organizadora da Marcha; e o de uma pesquisadora não indígena, mestranda em Antropologia, que tem acompanhado e elaborado reflexões antropológicas sobre a atuação da primeira no contexto acadêmico desde 2013. Ao tecermos considerações sobre tal evento a partir de lugares de fala e de escrita distintos, nossa proposta é a de trazer à tona nossas relações de pesquisa (pesquisadorainterlocutora), de comadrio e de colegas no Programa de Pós Graduação em Antropologia da UFMG (PPGAn). Ao fim, espera-se evidenciar que aproximações e distanciamentos em nossas abordagens compõem uma trama complexa que envolve olhares sobre um evento de particular relevância. 

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Indígenas; Marcha; Antropologia. 

 

Mulheres Guarani e as cidades: espaços urbanos como territórios indígenas.

Viviane Coneglian Carrilho de Vasconcelos (PPGAS/UFSC).

Este trabalho de pesquisa foca-se na compreensão dos modos de representação e protagonismo das mulheres Guarani, considerando os múltiplos locais de atuação que incluem as terras indígenas, as cidades e todo o território histórico do qual estes locais são pertencentes, tendo como eixo de análise o conceito êmico do bem-viver e seus significados para as mulheres Guarani. Pretende-se mapear, registrar e analisar os circuitos (conceito utilizado por Magnani em “Antropologia Urbana: desafios e perspectivas”) mais comumente praticados pelas mulheres Guarani, incluindo a diversidade de contextos, e incorporando outros espaços (e tempos) nas descrições destes trânsitos (que mesmo consideradas as inúmeras situações de violências não deixam de ser por elas ocupados). Deste ponto de vista, os trajetos desenhados pelos trânsitos das mulheres Guarani serão abordados e ressaltados em suas capacidades de agência que, ao ocupar as cidades, deixam marcas, transitam por redes de socialidade e dialogam com outros atores urbanos, incluindo também outros povos indígenas. 

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Indígenas – Guarani – Antropologia Urbana

 

Mulheres Indígenas e a proteção da biodiversidade: reflexões sobre saberes, práticas de cuidado e resistência em tempos de "fim do mundo". 

 

Elis do Nascimento Silva (PPGAS/UFSC).

Este trabalho visa refletir sobre a importância do protagonismo e dos saberes das mulheres indígenas para a gestão e conservação das florestas e dos recursos naturais de seus territórios tradicionais, bem como para a proteção da biodiversidade nas diversas regiões do planeta, como na América do Sul ou Abya Yala. A partir de alguns contextos etnográficos e de produções literárias, acadêmicas, artísticas, audiovisuais e documentais realizadas por/sobre mulheres indígenas, pretende-se analisar a contribuição de seus modos de saber e práticas de (r)existência relacionados aos cuidados com o corpo e com a (T)terra, ancorados por suas cosmovisões e ancestralidade, como um caminho de grande potência para a regeneração, resiliência e continuidade das expressões da vida nesta conjuntura global-local de degradações, desequilíbrios e ruínas que se configuram na contemporaneidade. De modo especial, este trabalho propõe-se a olhar os saberes e práticas de cuidado das mulheres indígenas como um campo fértil de conhecimentos e afetos que podem indicar outros caminhos possíveis e sustentáveis de enfrentamento à esses tempos de "fim do mundo".

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Indígenas; Biodiversidade; Saberes Tradicionais.

 

Transmitir para resistir: el rol de las mujeres en la reconfiguración del pueblo Iskonawa en el río Callería.

 

Carolina Rodríguez Alzza  (PUCP).

 

Los iskonawa son un pueblo indígena que convive desde hace 60 años con los

shipibo-konibo en la cuenca del río Callería (Amazonía peruana), luego de que estos últimos participaran en su proceso de contacto que inició en 1959. Esta convivencia ha dado paso a una serie de intercambios desiguales en los que los shipibo han influenciado lingüística y culturalmente a los Iskonawa. No obstante, en los últimos años, las mujeres ancianas han comenzado a forjar espacios de transmisión intergeneracional de conocimientos del pueblo iskonawa, como los son los de la iconografía que ya no eran conocidos por las mujeres jóvenes. De esta manera, una generación de mujeres y de un grupo etario más joven se viene posicionando como continuadoras del legado no solo del pueblo iskonawa sino también de uno que se caracteriza por una activa participación femenina. En el marco de ello, esta presentación se propone analizar el rol que han tenido las mujeres en la reconfiguración del pueblo indígena iskonawa hoy en día en un contexto de convivencia con otro pueblo indígena dominante como el shipibo-konibo. De manera particular, se busca resaltar la participación de dos generaciones de mujeres que han tenido diferentes aportes para el fortalecimiento y visibilización de la lucha del pueblo iskonawa en el contexto peruano.

PALAVRAS-CHAVE: Identidad, Mujeres, Iskonawa. 

 

Notas sobre o idioma do gênero e o protagonismo feminino na experiência contemporânea do povo Xetá.

Ana Clara Ferruda Zilli (PPGAS-UFSC).

 

Os Xetá são um grupo indígena historicamente ocupantes da região conhecida pelos não indígenas como Serra dos Dourados, localizada no noroeste do estado do Paraná. No decorrer da década de 1940 essa região foi marcada pela intensificação de políticas colonizadoras que objetivavam servir os interesses político-administrativos. Os registros aos quais temos acesso e que foram produzidos especificamente sobre os Xetá são recentes, não se estendendo para além dos últimos 60 anos. Os primeiros interesses de pesquisa sobre os Xetá constam como sendo sobre aspectos linguísticos e de cultura material e tecnológica. Nesses registros, os homens Xetá aparecem majoritariamente como os protagonistas da “cultura” e produtores da ação, enquanto as mulheres foram colocadas na “periferia” cuja atenção era secundária ou inexistente. Os trabalhos antropológicos contemporâneos seguem apresentando os relatos dos homens como interlocutores privilegiados, repetindo algo que já vinha sendo efetuado desde os primeiros trabalhos. Esse trabalho pretende realizar um deslocamento ao pensar junto à geração contemporânea de mulheres Xetá residentes na Terra Indígena São Jerônimo da Serra, localizada Paraná. A intenção, por um lado, é refletir acerca do rendimento do idioma do gênero na abordagem da experiência contemporânea do povo Xetá, e, por outro, esboçar notas acerca dos domínios protagonizados pelas mulheres Xetá e suas capacidades agentivas. 

PALAVRAS-CHAVE: Xetá; Relações de Gênero; Protagonismo Feminino. 

 

Experiência etnográfica: gênero e mobilização estudantil na T.I. Toldo Chimbangue.

Eloise Kist Hoss (UFFS/SC).

A partir de pesquisa etnográfica realizada em 2017 com estudantes da EIEF Fen’Nó, situada na Terra Indígena Toldo Chimbangue, em Chapecó-SC, e das entrevistas realizadas com A. A. (13 anos), C. (18 anos), L. (15 anos) e I. L. (13 anos), busco descrever a experiência de ocupação da escola realizada em 2016. Nas suas práticas, as e os jovens engajadas/os na mobilização estudantil contestavam os desdobramentos políticos do modelo econômico neoliberal a partir de suas reconfigurações recentes. As jovens entrevistadas enfatizam a importância da luta coletiva para a garantia de direitos para as e os brasileiros indígenas e não indígenas frente a uma educação de qualidade, saúde e trabalho como “garantia de um futuro” para as “próximas gerações”. A ocupação estudantil na EIEF Fen’Nó reverbera a indianização dos dispositivos de cidadania do Estado brasileiro, entre eles a garantia de seus territórios como direito originário, dimensão que impacta o devir identitário das populações autóctones da américa latina. Problematiza-se, portanto, a mútua experiência vivenciada nas interações do Trabalho de Campo, noção emergente da antropologia moderna que tem como mérito a formulação metodológica que contribuiu para a constituição da antropologia como ciência da alteridade. 

PALAVRAS-CHAVE: Etnografia; Juventude; Gênero; Etnia.

bottom of page