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AP12

Águas de Memórias: paisagens, ambientes, práticas e habilidades humanas e não-humanas, em mundos águas sobre ruinas no antropoceno

“... há uma hora certa, no meio da noite, uma hora morta, em que a água dorme. Todas as águas dormem: no rio, na lagoa, no açude, no brejão, nos olhos d’água, nos grotões fundos. E quem fica acordado, na barranca, a noite inteira, há de ouvir a cachoeira, parar a queda e o choro, que a água foi dormir... Águas claras, barrentas, sonolentas, todas vão cochilar. Dorme gotas, caudais, seivas das plantas, fios brancos torrentes. O orvalho sonha nas placas da folhagem e adormece. Até a água fervida, nos copos de cabeceira dos agonizantes...” (Sono das Águas, João Guimarães Rosa).

 

Este Ateliê de Pesquisa visa, apoiado por um trecho do belo poema de Guimarães Rosa, aglutinar, sem hierarquizar, trabalhos que versem sobre pesquisas feitas, produzidas e experimentadas, tendo como fio condutor, mares, rios, lagos e paisagens que com estes ou estas dialogam e produzem maneiras outras de relacionamentos, de vidas, práticas, de habilidades, modificações de ambientes, sejam entre humanos e não-humanos, ou em relações multiespecies.

 

Além do mais, procura promover reflexões acerca de políticas sobre águas e seus desdobramentos em uma sociedade que a prioriza como sua principal matriz energética, provocando deslocamentos, perdas de memórias e identidades em comunidades ribeirinhas, caiçaras, de pesca, de mangues e etc., em mundos que vivem as ruinas do antropoceno. Serão aceitos trabalhos em fase inicial e conclusão, trabalhos que evoquem memórias, narrativas autobiográficas, reflexões sobre etnografias feitas a partir do lugar de fala e origem, além de trabalhos audiovisuais e sonoros, que possam contribuir para as múltiplas possibilidades de experiênciar viver de e com águas e outras tantas possibilidades de existir da prática antropológica.

Palavras-Chave: Águas; Antropoceno; Antropologia; Paisagens.

Coordenador:

Igor Luiz Rodrigues da Silva (PPGAS/UFSC)

Manuel Ansaldo Roloff 

 

Lista de Resumos Aprovados

Sessão 1 - 10 de outubro de 2019 – 8h30min às 11h30min

Políticas Públicas, Paisagens e Vidas sobre Águas


 

Os caminhos das imagens: paisagens faxinalenses.

 

Marisangela Lins de Almeida ( PPGH/UFSC)

 

Resumo: A concepção epistêmica de Samaian (2012) de considerar as imagens como coisas vivas, fenômenos que são resultados de um processo combinatório de aportes diferentes, que pensam, provocou-me inquietação e desejo de aventurar-me pelos caminhos da imagem, a partir do suporte fotográfico e dos apontamentos de ordem antropológica. Nesse sentido, essa comunicação pretende problematizar a transformação de paisagens múltiplas, plurais (visíveis, por exemplo, em quintais faxinalenses e na forma de produzir agricultura nesses espaços) em paisagens hegemônicas, paisagens-poder, na concepção de Schörner (2018), na comunidade camponesa faxinalense do Faxinal do Salto, localizado no município de Rebouças (PR). A análise possui como base três imagens fotográficas das paisagens rurais faxinalenses, retiradas pela pesquisadora, no ano de 2017. Segundo Fávero (2014, p. 6), as paisagens, enquanto expressões da ação humana projetadas no espaço, revelam as opções, contradições e disputas que deixam marcas nos territórios. A paisagem-poder está relacionada à propriedade e é centrada na propriedade capitalista; é uma paisagem hegemônica. Ela é a paisagem que “venceu” ou expressa uma ideia de vencedores. Nesse sentido, a partir da análise de fotografias, essa comunicação propõe o seguinte questionamento: “o fim da pluralidade nas paisagens faxinalenses faz desaparecer também sistemas de saberes? É nessa direção que procuro elaborar conjecturas, não conclusões. 

Palavras-chave: Faxinais, Paisagens, Imagem.

 

O CAMINHO DOS TIGRES: Retrato de um rio e sua relevância como espaço público para a população negra de Florianópolis. Conflitos e conquistas do passado e do presente 

Rafael Alves de Campos (UNIVALI)

Larissa Donato (PGE/UEM);

 

Resumo: Na escravidão, a população negra foi responsável por carregar sobre a cabeça recipientes com excrementos para despejar nos rios. Os barris, conhecidos como bulhas, transbordavam os líquidos ácidos que escorriam pelos seus corpos, manchando a pele de listras, fato que os fizeram ser chamados de tigres (SANTOS, 2009). O caminho dos tigres trata-se de um dos principais destinos utilizados para despejo de dejetos, coleta de água e também como espaço de socialização, o Rio da Bulha. Este córrego que nasce no bairro Monte Serrat, hoje corre tamponado pela Avenida Hercílio Luz, importante caminho (LYNCH, 1980) da população que vive na região central. A nascente em questão também é relevante para o imaginário da cidade pois foi instalada junto a ela o primeiro reservatório de água de Florianópolis, o R-0, em 1909 e atualmente, 110 anos depois, foi inaugurada a primeira praça do Monte Serrat sobre o terreno deste reservatório. A avenida e a praça são espaços importantes para a população negra da região central de Florianópolis, pois foram, e são, palco de conflitos, lutas e conquistas por parte dessa população. Este artigo apresentará uma análise do contexto urbano destes espaços públicos através da realização de um resgate histórico das transformações da infraestrutura urbana e da paisagem deste rio, buscando fazer um paralelo com a história da população negra da região central de Florianópolis por meio de uma documentação histórica e observação incorporada (RHEINGANTZ, et. al. 2009). 

Palavras Chave: Espaço Público, infraestrutura Urbana, população negra.


 

Conflitos socioambientais identificados após a construção da Hidrelétrica de Belo Monte em Altamira-PA: População ribeirinha e Indígena

             

Renata Soares de Sousa, Aline Hentz (IFRS);

 

Resumo: As construções de barragens causam grandes impactos. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é um exemplo. Terceira maior hidrelétrica do mundo, construída a 52 km de Altamira-PA. Os conflitos socioambientais causados por essa obra, afetam diretamente os direitos da população indígena, ribeirinha e urbana de Altamira. Para o resto do Brasil, não é fácil associar os problemas sociais à construção de uma hidrelétrica, por isso essa pesquisa torna-se importante. Para mostrar os problemas causados, fomos até a cidade de Altamira. Na primeira fase da pesquisa, preparamos um questionário. Na segunda, fizemos o trabalho de campo. E, na terceira etapa, analisou-se os resultados, que foram baseados nas respostas de 11 entrevistados. Perguntados sobre emprego, as respostas foram unânimes: as obras da hidrelétrica trouxeram novos empregos, que, porém, rapidamente desapareceram, pois a maioria dos empregados eram de fora da cidade ou até do Estado. O desemprego gerou violência e fome, e a falta de saneamento básico, doenças. Os ribeirinhos do Rio Xingu foram direcionados para casas longe do rio, dificultando a atividade de pesca, que era sua fonte de renda, e sua alimentação. Para a população indígena foi ainda pior, porque algumas comunidades foram retiradas de suas terras e colocadas no centro da cidade, onde vivem como presos. Criou-se uma expectativa de desenvolvimento, mas à população de Altamira ficaram apenas ônus. É urgente a demanda por energia limpa, sem sangue da população pobre.

Palavras-Chave . Hidrelétrica; conflito socioambiental; Altamira


Estratégias cosmopolíticas para la defensa del agua en território Mapuche-Huilliche. 

Massiel Lazo Rojas (PPGAS/UFSC);


 

Resumo: La significación del agua que organiza las estrategias cosmopolíticas de los territórios mapuche-huilliche, adquiere renovada importancia frente al actual contexto de privatización de los derechos de aprovechamiento de las aguas en Chile. El caso de la comunidad mapuche huilliche de Rupumeica, configura un ejemplo único en Chile de ejercicio político indígena en que se consigue detener por diez años la construcción de un proyecto hidroeléctrico. Para lograrlo la comunidad de Rupumeica há defendido el agua en nombre de sus mitos, de sus ritos, de los espíritus dueños del território en que habitan y de sus antepasados que poblaron ese lugar; así como en nombre de sus títulos de propiedad entregados por el Estado de Chile y del Convenio 169 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT), firmado tanto por el Estado Chileno como el de Noruega (Nación a la que pertenece SN Power, empresa que desea construir dicho proyecto). En el presente trabajo se busca expresar el carácter que adquieren los ngen (espíritus dueños), especialmente el ngen-ko (espíritu dueño da água) e chao- negrecen (unidad base, material-inmaterial) en la articulación de las estrategias cosmopolíticas para reclamar la participación mapuche-huilliche en la gestión de su territorio.

Palabras chave: Água, cosmopolítica, mapuche-huilliche.
 

Águas turbias: indústria del salmón y vida cotidiana em la Isla del Chiloé, Chile

 

Manuel Ansaldo Roloff (PPGAS/UFSC);

 

Resumo: A indústria do salmão no Chile tem sido fonte de constantes tensões ao longo dos últimos 30 anos na “Isla de Chiloé” ao sul do país. Defendida por alguns –principalmente os empregados e diretamente beneficiados- tem transformado as paisagens, os modos de reprodução tradicionais ou consuetudinários e a vida cotidiana dos chilotes. Porém, no ano 2016 teve uma forte onda de mortes de peixes e outras espécies, o que quebrou o frágil equilíbrio entre os chilotes, o estado e a indústria, conhecido como “Movilizacion de la Marea Roja” na qual os pescadores artesanais e a “sociedade civil” protestaram durante 2 meses contra o denominado “desastre ambiental” Nesse contexto, esse trabalho visa enquadrar a problemática ambiental acontecida em Chiloé no ano 2016 e questionar a noção de desenvolvimento desde as vocês recolhidas dos pescadores e moradores da Ilha de Chiloé.



Sessão 2 - 11 de outubro de 2019 – 8h30min às 11h30min

Ontologias, Práticas e relações multiespécies sobre Águas

  

 

Atravessar camadas chegar em águas: quando as imagens religam o que não pode ser separado.

Camila Braz da Silva (PPGAS/UFRGS);

Resumo:  Partindo das reverberações do meu trabalho de conclusão de curso, pretendo apresentar o processo etnográfico na rua Voluntários da Pátria e no Hotel Rodoviária, em Porto Alegre (RS). E as iniciais incursões na pesquisa em acervo de fotografias do Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV/PPGAS/UFRGS) no quarto distrito da cidade, compondo parte de minha pesquisa de dissertação.  Ao recorrer à etnografia da duração (ECKERT; ROCHA, 2013), tenho percebido que nas narrativas biográficas de Seu Guido, dono do hotel, sua trajetória social e a história da cidade se misturam. Assim, suas rememorações localizam não só um grupo te de pertencimento, mas tecem uma memória coletiva (HALBWACHS, 1990), e nesse reconhecer e reconstituir de lembranças a vibração da memória se abre como possibilidade de durar.  As fotografias, tanto produzidas em campo quanto as oferecidas por Guido, se encontram para contar essa história e são atravessadas pelas imagens de acervo do BIEV. Estando embrenhadas na malha urbana, memórias e imagens das águas também surgem e anunciam os processos de rupturas, continuidades e descontinuidades que reverberam na constituição da cidade. 

Palavra-chave: memória, cidade, imagem, águas-urbanas

 

Entrelinhas: esboçando cenas de coordenações multiespécies em uma ruína marítimo-urbana de Florianópolis 

Ivan Gomes (PPGAS/UFSC);

 

Resumo: Imagina a ponte Pedro Ivo Campos – aquela que, costumeiramente, as os veículos motorizados partem do continente em direção à ilha; agora imagina a passarela logo abaixo dessa ponte, projetada para o trânsito de pedestres e ciclistas; agora imagine pescadores antropofagizando esse equipamento urbano e desvirtuando o sentido que os projetistas deram pra ele: ao invés de PASSAR, PARAR – e mais ainda: PESCAR; por fim, imagine o que se passa no canal abaixo. Fica difícil falando assim, né? Sem ofensa: quer que eu desenhe? O ensaio que imagino buscará trazer para o debate no ateliê as possibilidades trans-in-disciplinares da combinação entre narrativa, imagens – em movimento ou (pseudo)estáticas – e desenhos – urban sketches – na expressão etnográfica dessa paisagem multiespécie arruinada. Convidando para o debate antropólogas como Corine Squire, Lila Abu-Lughod, Aina Azevedo, Sara Asu Schroer e Anna Tsing, tentarei criar, a partir deste entrelaçamento teórico e etnográfico, os primeiros esboços de um método de escuta e percepção das paisagens que vê no desenho uma das formas de apreensão das experiências no campo, bem como discutir sua capacidade de expressão – ou, se preferir, representação – etnográfica de signos materiais e imateriais, a partir de uma metanarrativa multi-linguagens: como é o campo das paisagens.


 

O Rio Mundaú e a relação entre os fiéis de Nossa Senhora Aparecida e da Yabá Oxum.

Cláudia Cristina Rezende Puentes (GUESB/AL)

 Lannay Egídia Pereira dos Santos (GUESB/AL);

Resumo: O presente estudo tem como objetivo elucidar as relações estabelecidas por fiéis às margens do rio Mundaú, no município de União dos Palmares –Alagoas, em cerimônia inter-religiosa que acontece no dia 12 de outubro. Nossa pesquisa tem como base, diferentes personagens da sociedade alagoana, desde os jovens da comunidade católica de União dos Palmares, até a yalorixá Patrimônio Vivo de Alagoas, Mãe Neide Oyá D’Oxum, a primeira Yalorixá reconhecida como Mestre da Cultura Afro-brasileira. Após observação participante nos anos de 2017 e 2018, sistematizamos os parâmetros para a elaboração do presente estudo, na concepção da festa que acontece às margens do rio Mundaú, no município de União dos Palmares–Alagoas. Procuramos identificar os espaços sagrados congruentes e conflitantes, geradores de enfrentamento à discriminação religiosa que permitem a disseminação e continuidade dos ritos e costumes de um povo. Por apresentar uma estrutura comum de louvor à Nossa Senhora, partimos da entrevista com a Yalorixá buscando as motivações da mesma para realizar a cerimônia às margens do rio, na qual são reelaborados rituais de matriz africana em louvor à Yabá Oxum, Senhora das águas doces.

Palavras-chave: Rio Mundaú, Cultura afro-brasileira, Preservação.

 

“Antes vivia um bicho aqui”: reatando laços, fazendo território.

  

Victor Alcantara e Silva (DAN/UNB);

 

Resumo: “Antes vivia um bicho aqui, muito bravo”, me contava Simão, uma liderança kahyana, sobre o lugar onde estávamos. “Agora, não sei, parece que ele morreu, ou foi embora, porque agora aqui tem karaiwa (não-indígena)”, ele concluía diante da pousada cheia de turistas de pesca esportiva na beira do rio Trombetas, no local onde, nos anos 1950, havia sido uma aldeia de seu pai. O perigo de tal bicho, ele dizia, vinha de uma relação travada há tempos com o povo do fundo do rio. Percebendo o sumiço de caças no moquém, o cacique mandou dois jovens vigiar a comida à noite: se fossem gente, que se tentasse conversar com eles. Os jovens ficaram na espera e, na madrugada, viram dois homens se aproximar. Do moquém, retiravam apenas as carnes de caça, deixavam os peixes. Afoito, um dos jovens flechou um deles, que pulou n’água e passou a noite se lamentando no fundo, prometendo vingança. Passado muitos anos, já nos anos 1960, os Kahyana foram removidos de seus territórios por missionários e militares para missões religiosas no Brasil e Suriname. Desde seu retorno, nos anos 1990, buscam contato com tais seres nos lugares que compartilhavam. Depois de tanto tempo, porém, alguns desapareceram. Nesses casos, perdido o contato com os bichos, perde-se também o lugar, ocupados por karaiwa. No entanto, na busca por reatar antigos laços com os não-humanos que permaneceram nesses lugares, os Kahyana reconstituem seu território a partir da memória dessas relações, depois de 40 anos de exílio forçado. 

Palavras-chave: Kahyana, Trombetas, Território

 

“Vidas e Relações Ferais no rio São Francisco: mergulhando com as macrófitas aquáticas em um rio em ruínas...” 

Igor Luiz Rodrigues da Silva (PPGAS/IBP/CANOA- UFSC)

 

Resumo: O São Francisco, se constitui como um importante rio do país, suas águas estão presentes em cinco estados, banhando mais de 500 municípios brasileiros, representando assim, um bem vital para a sobrevivência de milhões de humanos e não-humanos, e suas práticas relacionais, bens culturais, econômicas e ambientais. Ao longo dos anos, desde sua invasão e povoamento pela corte portuguesa e outros povos colonizadores (entre eles, holandeses e franceses), o rio tem sido alvo de projetos e políticas de desenvolvimento, seja através da navegação, escravização de povos indígenas e logo em seguida negros africanos, da construção de hidroelétricas, barragens, lagos artificiais, projetos de irrigação do agronegócio e mais recentemente a transposição, tem afeto e provocado modificações de paisagens, rearranjos ambientais, extinção de espécies de peixes nativos, bem como o surgimento de outras espécies invasoras. Neste trabalho, busco então narrar, as relações e interações oriundas da proliferação, nos últimos anos, das macrófitas aquáticas, ou plantas aquáticas na cidade de Pão de Açúcar, Alagoas, uma das últimas cidades banhadas pelo rio São Francisco, do lado alagoano e que tem passados por inúmeros processos de reestruturação de suas paisagens. Assim sendo, busco através de longos processos de imersão, de experienciação e uso recorrente de imagens, mergulhar nas minhas memorias, como um filho deste rio, e estabelecer relações com as macrófitas, como sendo elementares para narrar a atual vida do Velho Chico e seus contínuos estímulos de sobrevivência até chegar ao oceano...

 

Palavras-Chave: Rio São Francisco, macrófitas, paisagens, ruínas, mundo feral;

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